Espírito de Natal (II)

Natal e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido…
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dados talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

In: Cancioneiro de Natal / David Mourão-Ferreira

Espírito de Natal (I)


Presépios e árvores de natal,

Ruas iluminadas e casas ornamentadas,
Montras ricamente decoradas,
Lojas apinhadas,
Pais Natal entediados,
Consumismo desenfreado,
Rostos fechados,
Famílias desmembradas,
Gente sem eira nem beira,
Enregelada e esfomeada.
Retrato de um Natal
Com corpo e sem espírito.


Que esse espírito de Natal, que anda ausente das nossas ruas, encontre um lugar quentinho e alegre no vosso coração.